Quando se fala na revista Maria uma coisa vem-nos logo à memória. O espaço dedicado a todas aquelas profundas questões de carácter sexual. Questões essas que sempre obtiveram uma paciente resposta, através do contributo de terapeutas sexuais de renome. São disso exemplo a Dra. Sónia ou o Dr. Pedro. Como todos sabemos figuras de referência no mundo clínico.
Foi através deste consultório em forma de livro de bolso que ficamos a saber de zoofilia, incesto e que não se engravida a usar cuecas de homem. Tudo questões que sempre nos interessaram e para as quais não tínhamos resposta.
Mas não é de perturbações mentais ou perversões da mais variada ordem que vos venho falar. Para mim a revista Maria há-de sempre ter outro significado. É que eu nasci no dia um Janeiro. E quando alguém sabe disto, coloca invariavelmente a mesma questão. À qual eu digo, com o rosto pesado de quem acaba de perder um filho:
Não, não fui o bebé do ano da Maria!
É algo que irei carregar comigo até ir para a terra dos pés juntos. No início de cada ano, esta tão útil revista, trazia (e ainda deve trazer) as fotos de cerca de vinte adoráveis rebentos. Cada um com uma cara mais assustada que o do lado. Um choro colectivo que parecia ouvir-se mesmo tratando-se de uma série de fotos tipo passe impressas numa folha A5 .
Apesar deste mar de lágrimas, é um facto que esta sessão fotográfica funcionava como uma catarse para recém-nascidos. Era a forma de lhes dizerem que eram especiais, que eram o símbolo de uma nova era. Uma geração que agora iniciava essa grande jornada que é a vida.
Era este o espaço dos iluminados. O baile de debutantes da classe média. Os quinze minutos de fama que o Andy Warhol nos prometeu a todos.
E eu? Sim, porque não fui escolhido? Porque me ostracizaram à nascença? Onde está o meu lugar ao sol? A minha colher prateada? O que tinham os outros a mais do que eu para terem a nobre recompensa de aparecerem numa contracapa em papel de segunda?
Aparentemente nada. O tempo passou e ninguém se recorda de nenhum deles. Aposto que ninguém conhece alguém que tenha sido o bebé do ano. E mesmo que conheça não lhe deve ser reconhecido nenhum poder sobrenatural. Garanto-vos com toda a certeza que nascer no primeiro dia do ano não tem nada de especial. Quer dizer, acho eu. Também nunca fiz anos noutro dia para saber como é.
Em todo o caso só quero esclarecer, perante todos os que ainda tinham duvidas, que não fui bebé do ano. Também não fui empregado do mês. E espero nunca vir a ser mulher-a-dias. Sou pura e simplesmente aquilo que sou.