Adoro cozinhar, adoro comer e, como consequência lógica de tudo isto, adoro restaurantes. Mas não qualquer tasco que nos troque uma nota de dez ou vinte euros por algo que se encontra facilmente na secção de congelados. É horrível a sensação de pagar por algo de que não gostamos. Até porque se quisesse ser roubado e passar fome ia para Chelas com uma sandes de arenque recheada com couves de Bruxelas. Mas limpemos más imagens da mente e concentremo-nos em bons restaurantes. Se bem que este conceito possa ser muito subjectivo e abranja todo o tipo de estilos e ambientes, uma coisa eu sei. Não há forma de alguma vez na vida os restaurantes de comida a peso virem a ser integrados nesta categoria.
Há uns anos atrás fui a destes estabelecimentos e esse acontecimento foi-me de tal maneira traumático que desde então jurei para nunca mais.
O local em questão (que eu não vou referir o nome por questões legais. Da última vez que o fiz, cumpri seis meses no Linhó por difamação e não estou para passar por isso outra vez. Ainda me dói o rabo, especialmente quando me sento em cadeiras de praia. Mas enfim, com o tempo há-de cicatrizar. Adiante e voltemos ao restaurante) foi-me apresentado como uma agradável churrasqueira brasileira com uma imensa variedade gastronómica e uma boa música ambiente.
A caminho do restaurante começo a imaginar o local. Um ambiente acolhedor, calmo mas nunca aborrecido, e sem grande confusão. Com o Ivan Lins a tocar, ao fundo da sala num piano de cauda, uma das suas baladas. Ou num registo mais dinâmico o Chico Buarque a interpretar, na íntegra, a “Ópera Do Malandro” enquanto os empregados me vão trazendo uns grelhados fabulosos acompanhados por um bom vinho tinto.
Nada poderia estar mais longe da verdade. Ao entrar no local do crime fiquei com a sensação de que me tinha enganado no sítio e que afinal estava na festa dos bombeiros do Cacém, tal era o aglomerado de gente. Passado o choque inicial dirigi-me à mesa reservada para o meu grupo, que devia ter aproximadamente o mesmo comprimento da auto-estrada da Beira Interior.
A tal ” boa música ambiente” era um gajo a cantar, com uma guitarra aos ombros, logo à entrada, em altos berros como se fosse ele quem estava a ser grelhado e colocado em travessas, os últimos êxitos do Netinho e da Banda Eva. Parecia o Carnaval de Olhão mas com uma temperatura mais amena.
Cedo me apercebi que ninguém me viria trazer nada, se queria comer que o fosse buscar, estava pois num self-service onde te dão uma travessa em que tu pões tudo aquilo o que te vier à cabeça e chegando ao fim da fila pagas pelo peso daquilo que trazes. Basicamente um refeitório de faculdade com preços mais altos mas com comida que ainda não vem mastigada.
O peso do prato é um factor bastante curioso, pois faz revelar a besta alarve que há dentro de cada um. E dou-vos um exemplo disso mesmo. Na fila, para pagar, estava eu, o meu grande amigo Joel e um outro amigo meu (que eu também não vou referir o nome pelas razões acima referidas, mas por uma questão de conveniência chamemos-lhe Manuel Machado). Pesam o meu prato “quatrocentas gramas”, pesam o prato do Joel ”quinhentas gramas” (devo referir que somos dois bons garfos e que a quantidade de comida não nos deixou com fome). Quando acabam de pesar o prato do “Manuel Machado” o empregado diz com ar de espanto “Meu Deus um recorde”. Aquele animal (não tem outro nome) atafulhou o prato com dois quilos e oitenta gramas de comida. De acordo com estudos das Nações Unidas, tinha carne suficiente para alimentar a África Central durante doze dias.
Mas apesar de tudo isto, em Roma sê romano. Em vez de se beber vinho à refeição beberam-se caipirinhas. Várias. E é aí que está o segredo. É um pouco penoso ao início mas rapidamente nos acostumamos. A partir desse momento tudo fica bastante mais agradável. Como sabemos que estamos a gostar? Não há formas matemáticas para definir com exactidão. Mas quando a mesa em coro, de braços no ar, canta “Oh Miiiiiiillllllllaaaaaaa ….” é porque já estão todos ambientados. Realmente, eu odeio restaurantes de comida a peso.