Março de 2006 - Janeiro de 2009

26
Mar 08
  Recentemente sonhei que a Cinha Jardim me estava a fazer um broche. Desde já admito que interpretação de sonhos não é a minha área. Tenho a minha formação em Económicas. E como tal nunca tive a feliz oportunidade de estudar os meandros da mente humana no seu campo mais íntimo.
Agora de broches ainda sei umas coisas. De qualquer forma, neste caso em particular, calculo que não seja muito complexa a explicação para tal ocorrência. E como não conheço ninguém que seja entendido em interpretação de sonhos vou ter de me desenrascar.
Primeiro que tudo devo afirmar que não conheço esta senhora pessoalmente. Eu sei que parece estranho mas é verdade. Nunca fomos apresentados formalmente nem tenho memória sequer de alguma vez a ter visto em carne e osso. No entanto, e apesar desta obvia distancia que nos separa, não posso deixar em branco esta oportunidade de lhe agradecer desde já.
Foi algo inesperada toda esta situação. Não é todos os dias que uma figura pública se ajoelha perante nós. A não ser que sejamos um padre a dar a comunhão solene na paróquia da Lapa ou que a nossa rotina diária seja armar cavaleiros.
Uma das coisas agradáveis foi o local. Uma pequena mas acolhedora sala em tons terra que proporcionava um ambiente relaxante e descontraído. Ao centro, sobressaindo do resto, um amplo sofá em veludo vermelho como que dizendo que era ali o centro nevrálgico de todo o prazer.
Do pouco que privei com esta senhora posso dizer que é extremamente simpática. Sem nunca cair na trivialidade, foi um encontro de conversas simples. Note-se também que a situação em causa não poderia ser mais do que aquilo que era. Não estão a ver de certo duas pessoas em tal acto a analisar a situação económica internacional ou a importância das obras de Milan Kundera na literatura moderna. Até porque nesta situação só uma das pessoas pode falar, o que raramente o faz, optando quase sempre por gemer. É sempre importante que não se esqueçam que estamos a falar de um broche.
Apesar de ter sido fraco em palavras foi forte em emoções. Pelo menos para mim. Um terno abocanhamento que me reconfortou a alma e o espírito. E embora não tenha sido tão intenso como o é na realidade não deixa de ser uma experiência enriquecedora.
E assim como cheguei, assim desapareci do reino de Morpheu . Para voltar ao mundo real onde figuras publicas não se ajoelham aos nossos pés e os broches não crescem nas árvores.
publicado por Velho Jarreta às 01:11

19
Mar 08
  Quando eu era miúdo só se fazia uma única coisa. Jogar à bola. Nada alterava a nossa rotina diária. Muito menos o tempo. Inverno, intempéries e ventos ciclónicos! Onde tanto fazia estar a cair uma “molha tolos” como tsunamis que pudessem arrastar quarteirões inteiros. Jogava-se e mais nada. Verão, quarenta escaldantes graus. Ali à torreira do sol, completamente desidratados com tumores benignos a brotarem-nos da pele. E nós a corrermos (ou melhor a arrastarmo-nos) por uma praceta deserta aos pontapés a uma bola de borracha cor-de-laranja como se as nossas vidas dependessem disso.
Não haviam ringues nem campos com medidas regulamentares. Os campos de futebol suburbanos caracterizam-se por uma originalidade de formas e geometrias que em nada se assemelham a um rectângulo dedicado à prática futebolística. Como o campo em forma de guitarra, em que de um dos lados se faziam ataques ao estilo futebol onze com cruzamentos largos e desmarcações em profundidade, e no outro, onde parecia estarmos a jogar no guarda-fatos da nossa avó. Mas ao menos era direito. Outros campos apresentavam inclinações acentuadas de tal forma que quando se atacava para um lado parecia a subida da Senhora da Graça e para o outro dava a sensação que estávamos a fazer bungee jumping mas sem elástico e a dar pontapés numa bola.
Para além das estranhas formas do campo, o piso também não era flor que se cheirasse. O alcatrão é um clássico. Ao cairmos nele ficamos com aquela sensação de quem acabou de entrar num ringue com o Mike Tyson . Até porque é bem provável que fiques sem alguma parte do teu corpo. Muita sorte será se for só a orelha.
Havia também espaços em que o gramado se alterava consoante a época do ano. Ou era uma areia com gravilha que volta e meia estavas com os cornos no meio do chão ou era um empedrado semelhante à superfície lunar.
Com a monção vinha a lama, o favorito das mães. Num abrir e fechar de olhos tornava umas calças de bombazina acabadas de passar a ferro numa manta de retalhos ensopada em merda .
O equipamento desportivo era bastante simples, embora variado. Consistia essencialmente na roupa que nos davam no Natal. Escolhida aleatoriamente pelas nossas mães, com o intuito de nos deixar mais bonitos. O que nunca acontecia. Primeiro, mesmo que haja um cuidado na indumentária, o facto de andar todo suado, com o nariz repleto de ranho, a correr atrás de uma bola, leva a um desmazelo inevitável. E segundo, estávamos nos anos oitenta, estar ridículo era a moda. 
Tudo isto proporcionava uma ampla gama de escolhas. Desde o pullover aos losangos, passando pelas calças de fato de treino, até à camisa em xadrez, cada jogador tinha o seu próprio estilo. Ou melhor a falta dele. O que dava ao jogo uma expressão individual única.
As boas bolas de futebol eram as de catechu. O que raio é catechu? Todos falavam do catechu come se fosse o mais comum dos materiais mas nunca ninguém soube o que realmente era. Só se sabia que boa bola era de catechu. Será que era um bicho? Se era, provavelmente devem-se ter morto milhares de catechus pequeninos para lhes tirar a pele, levando assim à extinção da espécie. Ou seria uma planta? Que desse frutos chamados catechu que soubessem a borracha, e devido a isso não servissem nem para sumo nem para centro de mesa, logo seriam aproveitados para fazer bolas de futebol. Vamos antes pensar assim. É melhor e saímos de consciência tranquila. Até porque a ideia de milhares de catechus estropiados não é muito agradável.
publicado por Velho Jarreta às 00:44

12
Mar 08
A vaca é um bicho desinteressante. Não sei se alguma vez perderam tempo a observar de forma particularmente atenta algum exemplar do gado bovino, mas se o fizeram, certamente considerarão esse mesmo tempo irreversivelmente perdido.
Observar uma vaca é o mesmo que assistir a um simpósio sobre reestruturações no sector educativo. Há uma variedade enorme de moscas que apesar de voos distintos vão todas aterrar na mesma pista. Que não é mais que um monte de merda que brota de um ânus fétido e volumoso. Para além de termos de suportar este cenário desagradável, ficamos com tantas respostas às questões que tínhamos como quando entrámos. A vaca jamais deixará de o ser, as moscas continuarão a fazer o seu degradante papel, e o monte de merda torna-se ainda mais grotesco.
Não entendo como é que alguém pode gostar de vacas. Se, por algum acaso que agora não me ocorre, eu tivesse de enumerar o meu top-ten de bichos favoritos, não vejo como haveria forma de incluir a vaca nesse pote. Há tanto bicho engraçado. O cão, o gato, o cavalo, o tigre, a raposa, o elefante. Sim, o elefante. Não me digam que um elefante não é muito mais castiço que o raio de uma vaca.
É que se formos a ver bem, a vaca, não passa de um ruminante lento que possui uma cauda para enxotar moscas. Moscas essas que atrai devido ao mau hábito de deixar um rasto de bosta por onde quer que passe. Tudo isto, convêm não esquecer, a um ritmo pardacento fazendo lembrar um velho com soltura que se esqueceu de vestir uma fralda.
Há algo de decadente numa vaca. O ar cansado, de quem não está feliz com a vida que leva. As manchas na pele, que mais parecem sinal de uma doença grave no fígado. Quem não conhecer, dirá que todas elas sofrem de cirrose hepática. A obesidade mórbida. E claro, a indesejável companhia das moscas, que mais parecem abutres em miniatura à espera do momento fatal para assim se poderem apoderar dos seus restos mortais.
Então porque será que um bicho tão desinteressante é sagrado na Índia? Só à pouco tempo o descobri. Não se trata de nenhuma superstição ancestral ou restrições exigidas pela A.S.A.E . Não tem nada de estranho e até é bastante lógico. Deve-se ao seguinte. Se alguma mãe não tiver leite para amamentar as suas crianças, a quem terá de recorrer? Resposta obvia, à vaca. É esta a explicação. A vaca é fonte de vida.
Pois. Isto é tudo muito bonito mas os tempos mudaram. As vacas é que não. Por isso é que volta e meia lá descarrila um comboio e vão quatrocentos indianos para o galheiro . Tudo isto porque sua excelência decidiu fazer uma sesta na linha ferroviária entre Calcutá e Bombaim. E o maquinista em vez de ter juízo e pensar que se quiser leite basta-lhe ir ao Pingo Doce lá do sítio e trazer uma palete, o que faz? Decide travar a fundo o seu Alfa pendular, que no fundo não passa de tractor assente sobre carris herdado do colonialismo inglês, provocando uma catástrofe. E fica tudo muito contente porque apesar das centenas de corpos trucidados, a puta da vaca contínua de boa saúde a largar bostas e a enxotar moscas. Que bicho mais parvo.
publicado por Velho Jarreta às 01:31

05
Mar 08

  Adoro cozinhar, adoro comer e, como consequência lógica de tudo isto, adoro restaurantes. Mas não qualquer tasco que nos troque uma nota de dez ou vinte euros por algo que se encontra facilmente na secção de congelados. É horrível a sensação de pagar por algo de que não gostamos. Até porque se quisesse ser roubado e passar fome ia para Chelas com uma sandes de arenque recheada com couves de Bruxelas. Mas limpemos más imagens da mente e concentremo-nos em bons restaurantes. Se bem que este conceito possa ser muito subjectivo e abranja todo o tipo de estilos e ambientes, uma coisa eu sei. Não há forma de alguma vez na vida os restaurantes de comida a peso virem a ser integrados nesta categoria.

Há uns anos atrás fui a destes estabelecimentos e esse acontecimento foi-me de tal maneira traumático que desde então jurei para nunca mais.

O local em questão (que eu não vou referir o nome por questões legais. Da última vez que o fiz, cumpri seis meses no Linhó por difamação e não estou para passar por isso outra vez. Ainda me dói o rabo, especialmente quando me sento em cadeiras de praia. Mas enfim, com o tempo há-de cicatrizar. Adiante e voltemos ao restaurante) foi-me apresentado como uma agradável churrasqueira brasileira com uma imensa variedade gastronómica e uma boa música ambiente.

A caminho do restaurante começo a imaginar o local. Um ambiente acolhedor, calmo mas nunca aborrecido, e sem grande confusão. Com o Ivan Lins a tocar, ao fundo da sala num piano de cauda, uma das suas baladas. Ou num registo mais dinâmico o Chico Buarque a interpretar, na íntegra, a “Ópera Do Malandro” enquanto os empregados me vão trazendo uns grelhados fabulosos acompanhados por um bom vinho tinto.

Nada poderia estar mais longe da verdade. Ao entrar no local do crime fiquei com a sensação de que me tinha enganado no sítio e que afinal estava na festa dos bombeiros do Cacém, tal era o aglomerado de gente. Passado o choque inicial dirigi-me à mesa reservada para o meu grupo, que devia ter aproximadamente o mesmo comprimento da auto-estrada da Beira Interior.

A tal ” boa música ambiente” era um gajo a cantar, com uma guitarra aos ombros, logo à entrada, em altos berros como se fosse ele quem estava a ser grelhado e colocado em travessas, os últimos êxitos do Netinho e da Banda Eva. Parecia o Carnaval de Olhão mas com uma temperatura mais amena.

Cedo me apercebi que ninguém me viria trazer nada, se queria comer que o fosse buscar, estava pois num self-service onde te dão uma travessa em que tu pões tudo aquilo o que te vier à cabeça e chegando ao fim da fila pagas pelo peso daquilo que trazes. Basicamente um refeitório de faculdade com preços mais altos mas com comida que ainda não vem mastigada.  

O peso do prato é um factor bastante curioso, pois faz revelar a besta alarve que há dentro de cada um. E dou-vos um exemplo disso mesmo. Na fila, para pagar, estava eu, o meu grande amigo Joel e um outro amigo meu (que eu também não vou referir o nome pelas razões acima referidas, mas por uma questão de conveniência chamemos-lhe Manuel Machado). Pesam o meu prato “quatrocentas gramas”, pesam o prato do Joel ”quinhentas gramas” (devo referir que somos dois bons garfos e que a quantidade de comida não nos deixou com fome). Quando acabam de pesar o prato do “Manuel Machado” o empregado diz com ar de espanto “Meu Deus um recorde”. Aquele animal (não tem outro nome) atafulhou o prato com dois quilos e oitenta gramas de comida. De acordo com estudos das Nações Unidas, tinha carne suficiente para alimentar a África Central durante doze dias.

Mas apesar de tudo isto, em Roma sê romano. Em vez de se beber vinho à refeição beberam-se caipirinhas. Várias. E é aí que está o segredo. É um pouco penoso ao início mas rapidamente nos acostumamos. A partir desse momento tudo fica bastante mais agradável. Como sabemos que estamos a gostar? Não há formas matemáticas para definir com exactidão. Mas quando a mesa em coro, de braços no ar, canta “Oh Miiiiiiillllllllaaaaaaa ….” é porque já estão todos ambientados. Realmente, eu odeio restaurantes de comida a peso.

publicado por Velho Jarreta às 00:00

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