Março de 2006 - Janeiro de 2009

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Jan 07

A minha avó materna e a sua irmã viam telenovelas como quem vê um derby que vá decidir o titulo . Vibravam mesmo de forma veemente com tudo aquilo. Torciam pelas suas personagens favoritas e avisavam-nas dos perigos que se avizinhavam. Insultavam e injuriavam os seus opositores com um extenso rol de pesados palavrões. Uma ordinarice pegada que guardaram para aquele momento especial. Davam pulos na cadeira quando a bola passava a rasar a barra, ou melhor, quando aparecia Dulcinei e descobria Wanderley na cama com Mariene . Para elas enquanto não desse o intervalo para retemperar forças e ir dar uma mijinha a emoção era constante.

Se existissem claques de telenovelas elas seriam as "ultras". De megafone na mão com cânticos a incentivar o Tony Ramos e a Claudia Raia, a chamarem puta à Betty Faria e a pedirem a substituição do Duarte Lima pelo Fábio Jr . Parece que estou a ver a minha avó com um bombo a marcar o ritmo e a minha tia de megafone na mão empoleirada em cima das grades, virada de costas para o relvado, ou neste caso para o estúdio de gravações, a berrarem como se não houvesse amanhã.

O pior foi quando apareceram os canais privados. Aí o panorama televisivo português passou a incluir 14 novelas em vez da habitual a seguir ao telejornal. Como viam tantas chegou a uma altura em que já se confundiam todas. O que fazia de bom às 3 da tarde era o mau das 9 da noite e aquilo já era areia de mais para as suas camionetas. E era cansativo, imaginem que seguem a vossa equipa para todo o lado e que têm 7 jogos por semana. Assim não dá. Uma pessoa nem tem tempo para respirar.

Elas sempre souberam que aquilo era uma representação, "é tudo a fingir" como costumavam dizer, mas isso nunca as tranquilizou. Como poderiam perdoar que Marcelino tivesse roubado Ediberto e que Soraya tivesse casado com Reinaldo por dinheiro? Jamais! Quer dizer, até que a telenovela acabasse, que tal como o fim de um campeonato, se não ganhámos desta vez para o ano há mais.

Apesar de todos estes contratempos, nunca desistiram , pois um verdadeiro aficionado é leal à sua causa. Até porque a vida de reformado tem sempre muito tempo livre, e visto que não há muito por onde uma pessoa se entreter…haja saúde que nós cá estamos, em frente ao televisor na incerteza do que vai acontecer.

Mas porquê? Sim, qual o porquê de um tão forte apego a algo que em nada influenciava as suas vidas? Em algo tão distante do seu dia-a-dia? A resposta está na própria pergunta. Era o momento de libertação da enfadonha realidade. Fosse lá o que fosse, tudo aquilo permitia-lhes o vivenciar de uma emoção constante que as suas vidas jamais poderiam almejar.

E quem somos nós para criticar tal atitude se tantas vezes fazemos o mesmo? É que se alguém pensa que nada tem a ver com as minhas saudosas anciãs , que tudo isto não passam de coisas de gente menor, pense melhor e vai ver que tem a vida cheia de telenovelas e muitas delas não vão ter final feliz.

publicado por Velho Jarreta às 00:15

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