Março de 2006 - Janeiro de 2009

31
Jan 07

Como todos sabem, aproxima-se a data do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, vulgarmente conhecida como aborto. E eu estou-me bem a cagar para isso, e não sou o único. Muito sinceramente, algum de vocês vai ver o seu "dia de amanhã" alterado quer ganhe o sim ou o não? Não é de estranhar que a abstenção atinja, ou mesmo supere, os valores atingidos no passado. No fundo todos sabemos que vai ficar tudo na mesma. Se alguém acha que esta questão é das mais importantes para o futuro da nação é porque não deve ter mais nada com que se preocupar.

Imaginemos que o aborto é legalizado. Todos conhecemos o funcionamento do sistema de saúde português. Se alguém quiser abortar, marca a respectiva consulta e quando for atendido o puto já entrou para a faculdade. É indiferente se é legal ou não, aliás neste país mais facilmente se consegue uma coisa pela "porta do cavalo" do que de forma correcta e justa. O que é mais fácil obter em Lisboa às 3 da manhã um prato de sopa ou doze tipos de drogas diferentes? Pois é, já perceberam onde quero chegar.

Fazer um aborto legal não custa nada. Basta agarrar no carro e deslocar-se até ao mundo civilizado, vulgarmente conhecido como Europa, especificamente Espanha, e logo em Badajoz despacha-se o assunto sem que ninguém saiba de nada. Tratamos de tudo, dizemos que fomos de fim-de-semana comprar caramelos, largamos uns euros, para uma mulher ser tratada com os cuidados que um vão de escada na Almirante Reis não pode proporcionar, e está feito. Ainda chegamos a tempo de ir à missa de domingo afirmar convictamente que quem o faz são uns criminosos que deveriam estar enjaulados.

Estar a discutir se o aborto deve ser legal em Portugal, em pleno século XXI, faz tanto sentido como discutir o direito de voto das mulheres, a abolição da escravatura, se o Toni devia voltar a treinar o Benfica ou se a Terra é redonda. São questões ultrapassadas. Por esta altura já nem se deveria falar sobre o assunto, deveria ser algo dado como certo, em que a vontade de cada um determinaria o que fazer. Mas não, e para piorar mais as coisas ainda se vai perder tempo com referendos.

Com este vão em três, dois deles sobre a mesma coisa. O outro foi sobre algo que nunca ninguém soube o que era e ouvi dizer que já estava, e por lá vai ficando, na Constituição. Já que se gasta tanto dinheiro a consultar os portugueses será que não têm nada de verdadeiramente importante a perguntar? Porque é que não me perguntam o que acho do desemprego, da falta de segurança, da eficiência dos transportes públicos , da qualidade do meio ambiente, do ensino em Portugal, do lixo nas ruas, do estado da justiça e da justiça do Estado? Isso sim são coisas que mexem com a minha vida, agora o aborto quero lá bem saber. Se nem a maioria das mulheres portuguesas vai votar, e são elas as principais envolvidas em tudo isto, porque raio é que eu me hei de interessar?

Em todo caso, nem que seja por descargo de consciência , lá estarei a votar. Mas prometo que é ultima vez que já estou cansado de viver no passado.

publicado por Velho Jarreta às 00:15

24
Jan 07

A minha avó materna e a sua irmã viam telenovelas como quem vê um derby que vá decidir o titulo . Vibravam mesmo de forma veemente com tudo aquilo. Torciam pelas suas personagens favoritas e avisavam-nas dos perigos que se avizinhavam. Insultavam e injuriavam os seus opositores com um extenso rol de pesados palavrões. Uma ordinarice pegada que guardaram para aquele momento especial. Davam pulos na cadeira quando a bola passava a rasar a barra, ou melhor, quando aparecia Dulcinei e descobria Wanderley na cama com Mariene . Para elas enquanto não desse o intervalo para retemperar forças e ir dar uma mijinha a emoção era constante.

Se existissem claques de telenovelas elas seriam as "ultras". De megafone na mão com cânticos a incentivar o Tony Ramos e a Claudia Raia, a chamarem puta à Betty Faria e a pedirem a substituição do Duarte Lima pelo Fábio Jr . Parece que estou a ver a minha avó com um bombo a marcar o ritmo e a minha tia de megafone na mão empoleirada em cima das grades, virada de costas para o relvado, ou neste caso para o estúdio de gravações, a berrarem como se não houvesse amanhã.

O pior foi quando apareceram os canais privados. Aí o panorama televisivo português passou a incluir 14 novelas em vez da habitual a seguir ao telejornal. Como viam tantas chegou a uma altura em que já se confundiam todas. O que fazia de bom às 3 da tarde era o mau das 9 da noite e aquilo já era areia de mais para as suas camionetas. E era cansativo, imaginem que seguem a vossa equipa para todo o lado e que têm 7 jogos por semana. Assim não dá. Uma pessoa nem tem tempo para respirar.

Elas sempre souberam que aquilo era uma representação, "é tudo a fingir" como costumavam dizer, mas isso nunca as tranquilizou. Como poderiam perdoar que Marcelino tivesse roubado Ediberto e que Soraya tivesse casado com Reinaldo por dinheiro? Jamais! Quer dizer, até que a telenovela acabasse, que tal como o fim de um campeonato, se não ganhámos desta vez para o ano há mais.

Apesar de todos estes contratempos, nunca desistiram , pois um verdadeiro aficionado é leal à sua causa. Até porque a vida de reformado tem sempre muito tempo livre, e visto que não há muito por onde uma pessoa se entreter…haja saúde que nós cá estamos, em frente ao televisor na incerteza do que vai acontecer.

Mas porquê? Sim, qual o porquê de um tão forte apego a algo que em nada influenciava as suas vidas? Em algo tão distante do seu dia-a-dia? A resposta está na própria pergunta. Era o momento de libertação da enfadonha realidade. Fosse lá o que fosse, tudo aquilo permitia-lhes o vivenciar de uma emoção constante que as suas vidas jamais poderiam almejar.

E quem somos nós para criticar tal atitude se tantas vezes fazemos o mesmo? É que se alguém pensa que nada tem a ver com as minhas saudosas anciãs , que tudo isto não passam de coisas de gente menor, pense melhor e vai ver que tem a vida cheia de telenovelas e muitas delas não vão ter final feliz.

publicado por Velho Jarreta às 00:15

17
Jan 07

O meu avô foi sempre um homem de poucas palavras mas esses escassos vocábulos que lhe saiam nunca me foram indiferentes, quer pelo brilhantismo das suas observações, quer pela estupidez crónica que por vezes pronunciava. Mas apesar desta sua total incoerência repetia incessantemente uma expressão que se manteve sempre actual. "Falou muito mas não disse nada.".

Parece que o estou a ver sentado a meu lado às 9 da noite sintonizados na RTP2 porque, segundo ele, e com muita razão permitam-me acrescentar, era o melhor dos blocos noticiosos. Era o único que permitia aos convidados tempo para dizer mais do que boa noite. Irritava-lhe profundamente que as pessoas fossem entrevistadas e estivessem constantemente a ser interrompidas sem nunca terem tempo de concluir uma ideia, um raciocínio .

Mas por outro lado deixar os outros falarem aquilo que quiserem também tem as suas desvantagens. Especialmente quando não têm nada para dizer. Era aí que o meu avô, após ouvir atentamente o que tal individuo tinha expressado, comentava "Falou muito mas não disse nada.". Isso saia-lhe sempre com um ar penoso de quem acabou de perder 5 minutos da sua vida que nunca mais lhe serão devolvidos.

Se formos a ver, como diz uma amiga minha, o pior não é que a tertúlia cor-de-rosa dê todos os dias, o pior é que eu vejo. Não há mal nenhum em alguém ser vazio mas é deprimente os estarmos a ouvir e isso faz de nos ainda mais vazios.

Basta ver o discurso da generalidade dos políticos para nos apercebermos o sentido da expressão. Mas nem só aos nossos representantes se pode atribuir tal mérito. Até porque esta característica faz muita falta. O que seria dos debates da bola, radiofónicos, televisivos ou na tasca do Chico, onde se fala de tudo, horas a fio, menos do jogo em si? O que seria das organizações de caridade, das religiões, das seguradoras e todas as outras actividades de que se dedicam à vigarice? Qual seria o conteúdo das revistas cor-de-rosa e dos reality shows? Seriam todos mudos, não por incapacidade física mas por falta de relevância .

Mas não quero que nada disto acabe, nem pensar. Sou como toda a gente e não me inibo por vezes de abrir a boca para não dizer rigorosamente nada. Se só fossemos a abrir a boca quando tivéssemos algo de jeito para dizer viveríamos num silêncio muito incomodo. E longe de mim querer incomodar quem quer que seja. Há alturas em que a única coisa que quero é falar muito mas não dizer rigorosamente nada, porque se todos os outros o fazem também tenho esse direito. E se achas que ler este texto foi uma total perca de tempo azar o teu. Porque também já me aconteceu tantas vezes e sobrevivi. E digo-te, com toda a confiança, tu hás-de sobreviver.

publicado por Velho Jarreta às 00:04

10
Jan 07

Apesar de ser uma tradução muito má de um filme muito bom, é uma bela expressão. Ter certezas neste campo é o mesmo que discutir o sexo dos anjos ou para que é que serve um pisa-papéis . Sim um pisa-papéis . Alguém trabalha num escritório com um anticiclone na mesa ao lado, ou onde sopre uma brisa matinal que necessita de um objecto com 2 kg para impedir que as suas folhas voem? Então para que serve aquilo? Se é só para decorar comprem um bibelô. Aliás, que raio de palavra é essa bibelô? Adiante…

O Oscar Wilde dizia que é mais fácil compreender os mistérios da vida e da morte do que compreender o mistério do amor. Não é que seja mais fácil , é só que nos dão menos dores de cabeça. E se não nos tiram o sono para quê perder tempo com isso? Até porque ai ao menos temos certezas, nem que seja o facto de estarmos vivos e que, mais cedo ou mais tarde, vamos morrer.

Haveria tanto para falar sobre amor mas, como diria o Herman , não temos tempo e como tal concentremo-nos na atracção de opostos. Porque será que duas pessoas que não têm porra nenhuma a ver um com o outro se desejam? Deverá ser porque se completam, o que falta a um o outro tem. E apesar de ser uma mistura de de duas coisas tão diferentes como azeite e vinagre o que é um facto é que resulta.

Vejam o caso de presunto com melão. Embora difícil de entender de inicio, vai-se a ver e é extremamente saboroso e combina perfeitamente. Aposto que, de inicio, até o fresco melão, feito em bocados, olhava de lado o fatiado fumado enquanto ambos estavam deitados num prato. Como que a interrogar-se o que estaria ali a fazer com tal presença, que lhe era tão estranha. Para mais tarde se aperceber que era ele que lhe dava novo significado. O próprio presunto também tem os seus receios. Decerto sentiu a falta do queijo e do pão a que estava habituado mas rapidamente sentiu que esta experiencia era diferente das outras e lhe dava algo que nunca tinha sentido. Esta combinação é mais que um simples alimento, é amor, é algo que preenche o vazio que ambos sentem.

Uns diriam que não passa de um prato de Verão, mas se o experimentarem em frente a uma lareira no gélido Janeiro vão ver que é uma iguaria eterna, independentemente da estação do ano em que se deguste. Até porque um sem o outro perdem todo o brilho que emanam, é algo mais que a soma das partes. E enquanto este Inverno aperta, o presunto está enforcado à lareira a maturar e o melão vai brotando à procura de uma nova vida. Será que se iram novamente encontrar numa farta mesa? Só o tempo o dirá mas sei que nenhum deles se esquecerá do brilho que cada um provocou no outro. E isso, embora estranho, será sempre amor.

publicado por Velho Jarreta às 00:01

05
Jan 07

Entramos em 2007 e isso não tem rigorosamente interesse nenhum e desengane-se quem pensar o contrário. É altura de balanços tortos e novas decisões que nunca chegam a ser implementadas. É quando olhamos para trás para vermos que afinal mais vale é seguir em frente. É estúpido mas não deixa de ser muito divertido.

Eu nem devia dizer isto pois faço anos a 1 de Janeiro. Logo, deveria ser a pessoa que mais significado atribui a este período . Mas não, não encontro razões para tal. Tanto eu como o meu pai sofremos do mesmo mal. Festejar só porque tem que ser não faz sentido nenhum. E com o passar de anos estas características vão-se acentuando.

Se formos a ver a passagem de ano não passa de uma desculpa para se apanhar uma valente narsa . Eu até conheço umas pessoas que vão fazer outra este sábado porque de 31 para 1 foi fraquinho. E não os condeno, eu também já fiz isso à uns anos e foi uma noite memorável ganda ravalhão , ainda temos de ligar ao Luís para ir passar uns dias a casa dele).

Esta comemoração é tão sentida como os santos populares em pleno Verão. Sem nexo nenhum mas mais uma vez muito divertido. Ninguém sabe o que raio está ali a fazer, nem qual o santo padroeiro que se celebra .Eu até desafio alguém a me dizer, sem ir ver ao dicionário, o que realmente é um santo padroeiro. Será um santo mais animado que os outros? Seria o gajo que foi pregar em stand-up ou o que fazia bonecos com balões que mais parecem vibradores insufláveis? Não sei nem interessa. O que interessa é que já podemos por os cd’s de música pimba, que estavam no fundo da gaveta, e beber uma quantidade de álcool que dê para abater um cavalo.

Mas não me estou a queixar, pois divirto-me sempre. Estou só à procura de respostas. Porque se formos a ver, se não fossem as datas religiosas, a passagem de ano e os aniversários o que é que iriamos festejar? As vitórias na bola é uma boa resposta mas satisfazem pouco pois são pouco frequentes e não dão para todos. A queda de um governo? Esqueçam, já ninguém liga a isso. O fim de um programa da Júlia Pinheiro? Também de nada vale pois passado pouco tempo lá a vemos de novo, aos berros como se ainda não tivesse sido inventada a amplificação.

As respostas são poucas realmente, para não dizer nenhumas. Muitos poderiam dizer que aquilo que celebramos é a vida. Será que sim? Ou será que estas celebrações não passam de fugas à mesma?

publicado por Velho Jarreta às 21:05

03
Jan 07

Cantavam as Hole à uns anos atrás e pode ser empregue em muito boa gente. Há quem viva o dia-a-dia numa plena e completa mentira. Mentem ao pai e à mãe para não mostrarem os filhos que são. Mentem aos colegas de trabalho para estes não saberem que eles não sabem mais. Mentem aos seus amores para que estes o continuem a ser. Mentem aos amigos com o medo de que a sua verdadeira personalidade os afaste. Mentem ao vizinho quando dizem bom dia sem no fundo o desejarem. Mentem a preencher o I.R.S., na fila do supermercado, no médico, no ginásio, na padaria e noutro qualquer lugar onde se encontrem.

O que estas pessoas não têm noção é que acima de tudo estão a mentir a si próprias e essa é a mais perigosa de todas as mentiras. É uma fuga da realidade, um esconder desesperado, e no dia em que se aperceberem da aldrabice de que foram vitimas vão chegar à bonita conclusão de que não têm rigorosamente nada porque tudo o resto não passou de uma mentira.

Se uns gritam "25 de Abril sempre", muitos mais deveriam entoar, para que todos ouçam , "1 de Abril sempre". Menos, como é obvio, no primeiro de Abril pois aí estariam a ser verdadeiros e isso destruiria toda uma carreira dedicada à falsidade. É que são tantos que uma associação ou colectividade já fazia sentido. Já imaginaram uma Avenida da Liberdade repleta de mentirosos orgulhosos da sua condição? Claro que não, mas haveria de ser uma coisa linda. É possível , desde que fosse para entrar no Guiness , aí até o mais verdadeiro de todos os portugueses lá estaria.

Todos nós mentimos e sempre ouvi dizer que os honestos não passam de inadaptados sociais mas tenhamos limites. Dedicar uma vida à aldrabice também não me parece muito saudável. Até porque mais cedo ou mais tarde ninguém vos vai levar a sério. Vão chegar a um ponto em que tudo aquilo que digam será visto com desconfiança e receio, nem que sejam as horas.

publicado por Velho Jarreta às 21:12

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