Março de 2006 - Janeiro de 2009

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Jan 07

O meu avô foi sempre um homem de poucas palavras mas esses escassos vocábulos que lhe saiam nunca me foram indiferentes, quer pelo brilhantismo das suas observações, quer pela estupidez crónica que por vezes pronunciava. Mas apesar desta sua total incoerência repetia incessantemente uma expressão que se manteve sempre actual. "Falou muito mas não disse nada.".

Parece que o estou a ver sentado a meu lado às 9 da noite sintonizados na RTP2 porque, segundo ele, e com muita razão permitam-me acrescentar, era o melhor dos blocos noticiosos. Era o único que permitia aos convidados tempo para dizer mais do que boa noite. Irritava-lhe profundamente que as pessoas fossem entrevistadas e estivessem constantemente a ser interrompidas sem nunca terem tempo de concluir uma ideia, um raciocínio .

Mas por outro lado deixar os outros falarem aquilo que quiserem também tem as suas desvantagens. Especialmente quando não têm nada para dizer. Era aí que o meu avô, após ouvir atentamente o que tal individuo tinha expressado, comentava "Falou muito mas não disse nada.". Isso saia-lhe sempre com um ar penoso de quem acabou de perder 5 minutos da sua vida que nunca mais lhe serão devolvidos.

Se formos a ver, como diz uma amiga minha, o pior não é que a tertúlia cor-de-rosa dê todos os dias, o pior é que eu vejo. Não há mal nenhum em alguém ser vazio mas é deprimente os estarmos a ouvir e isso faz de nos ainda mais vazios.

Basta ver o discurso da generalidade dos políticos para nos apercebermos o sentido da expressão. Mas nem só aos nossos representantes se pode atribuir tal mérito. Até porque esta característica faz muita falta. O que seria dos debates da bola, radiofónicos, televisivos ou na tasca do Chico, onde se fala de tudo, horas a fio, menos do jogo em si? O que seria das organizações de caridade, das religiões, das seguradoras e todas as outras actividades de que se dedicam à vigarice? Qual seria o conteúdo das revistas cor-de-rosa e dos reality shows? Seriam todos mudos, não por incapacidade física mas por falta de relevância .

Mas não quero que nada disto acabe, nem pensar. Sou como toda a gente e não me inibo por vezes de abrir a boca para não dizer rigorosamente nada. Se só fossemos a abrir a boca quando tivéssemos algo de jeito para dizer viveríamos num silêncio muito incomodo. E longe de mim querer incomodar quem quer que seja. Há alturas em que a única coisa que quero é falar muito mas não dizer rigorosamente nada, porque se todos os outros o fazem também tenho esse direito. E se achas que ler este texto foi uma total perca de tempo azar o teu. Porque também já me aconteceu tantas vezes e sobrevivi. E digo-te, com toda a confiança, tu hás-de sobreviver.

publicado por Velho Jarreta às 00:04

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